sábado, 27 de janeiro de 2018

A Política Econômica de Getúlio Vargas


O texto abaixo fora escrito pelo cientista político Marcos Costa Lima:

"Quem quer que busque entender a política econômica brasileira de 1930 a 1964 não pode prescindir da figura de Getúlio Vargas, o presidente que mais tempo permaneceu à frente do governo brasileiro, seja na qualidade de líder revolucionário (1930-37), ditador (1937-45), durante o Estado Novo, e presidente constitucional (1950-54). São 19 anos ao todo, enquanto prócer máximo do País.


 Neste longo período, temos momentos bastante distintos e particulares na economia mundial: de 1930 a 1945, um período de crise sistêmica, a partir do crack de Wall Steet, que repercutiu em todo o mundo e que no Brasil simboliza o fim da hegemonia dos cafeicultores e da política Café com Leite, bem como dos setores oligárquicos da terra, principalmente no Sudeste do País.

 Nos Estados Unidos da América, a política do New Deal, implantada por Roosevelt, foi uma política keynesiana antes de Keynes, cujo similar no Brasil foi a política de sustentação dos preços do café e sua queima posterior. Este processo acabou por possibilitar os primeiros passos da industrialização brasileira, que teve como impulsos fundamentais a elevação dos preços das importações e, justamente, a manutenção da demanda agregada interna, graças às compras pelo Estado do café excedente.

O início da Segunda Guerra Mundial estimulou ainda mais o processo de substituição de importações, com o Estado Varguista intervindo cada vez mais a favor da industrialização. Esta política se expressa na configuração do Salário Mínimo e do Sistema Previdenciário, além da estruturação da máquina burocrática estatal. A produção industrial cresce então mais rapidamente, quase duas vezes, que a produção agrícola.

 O segundo período analisado (1945-1954), onde Getúlio é personagem central, apresenta características radicalmente novas no cenário internacional. Os EUA já substituem a Grã-Bretanha como nova potência mundial, apoiados na nova configuração dos organismos de Bretton Woods – o FMI, o Banco Mundial e o GATT -, instrumentos poderosos de regulação sobre o mundo; na transferência de seus grandes grupos industriais pelo mundo e na consolidação de uma força militar que garante a aplicação da pax americana, exercida até hoje a partir da persuasão armada quando o comércio não é suficientemente capaz de impô-la.

 O Brasil terá que aguardar a passagem medíocre do governo Dutra na Presidência, para viver o período de profundo dinamismo de Vargas, com a definição e consolidação da indústria de base, do petróleo, da energia e da química. A indústria leve de bens de consumo já fora instalada pelos nacionais, além das de matérias-primas e bens de capital. O Estado produzia aço a partir de Volta Redonda - expressão da astúcia e estratégia getulista. Nos faltava a indústria de bens de consumo durável e a ampliação das indústrias de matérias primas e de máquinas.

 O chamado Estado Populista passa a ser a expressão de uma ampla aliança de classes, composta pela burguesia industrial nascente, das camadas médias burocráticas e dos setores do proletariado urbano, além das oligarquias rurais não ligadas à exportação. A criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico simboliza o papel do Estado Nacional Desenvolvimentista, através dos grandes investimentos estratégicos, estruturando as bases para a industrialização do País.

 Não se pode tratar corretamente o nacional-desenvolvimentismo sem apontar as duas linhas ideológicas que então polarizam a intelectualidade brasileira: a corrente liberal, que se baseava na vocação agrária do País, e a corrente desenvolvimentista, que pregava a intervenção estatal para implementar a industrialização. Esta última corrente teve em Celso Furtado e Ignácio Rangel os seus maiores expoentes, que enfatizavam o caráter monopolista da estrutura industrial brasileira, absorvendo pouca mão-de-obra, o que contrastava com a disponibilidade de recursos locais, impossibilitando uma dinâmica auto-sustentada do crescimento. Os comunistas do PCB, por sua vez, indicavam a estrutura agrária semifeudal como impeditivo maior do desenvolvimento, ao passo que Caio Prado Jr e Ruy Mauro Marini tinham na exploração imperialista o impasse fundamental.

 A teoria do desenvolvimentismo fora elaborada a partir da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL e tinha como conceitos-chaves as noções de Centro e de Periferia e de deterioração dos termos de intercâmbio ou trocas desiguais, que obstavam a industrialização da periferia. Posteriormente, estas teses foram aprofundadas no ISEB, que reuniu os principais intelectuais progressistas brasileiros e sinalizava para uma vertente mais nacionalista do desenvolvimento.

 O pensamento desenvolvimentista já estava presente em discurso de Vargas em 1944, quando afirmou: “Só as mentalidades impermeáveis aos ensinamentos dos fatos podem acreditar ainda na validade do ‘laissez-faire’ econômico e nos seus corolários políticos”. A ideologia desenvolvimentista populista institucionalizava o poder político das forças populares, incorporando a emergência das massas no jogo político nacional.

 Não houve espaço aqui para tratar de aspectos negativos de Vargas, sobretudo na sua fase Estado-Novista, onde o autoritarismo e o caráter de conciliação de classes na figura do “povo”, prevaleceram, mais ainda assim garantia o Salário Mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

  Muita água passou debaixo da ponte da história política brasileira desde então, bem como do capitalismo, que abandonou o crescimento virtuoso do keynesianismo, do pleno emprego e da regulação estatal, para implementar uma política neoliberal que tem gerado concentração de renda em escala mundial, privilegiando o setor rentista do capital, consolidando o desemprego estrutural e aprofundando os desníveis tecnológicos e de bem estar entre os países ricos e aqueles da periferia do sistema.

 Os Estados Unidos da América têm ampliado seu poder em escala mundial e pretendem firmar-se enquanto um império. O Brasil de hoje, passados 50 anos do suicídio de Vargas, se vê vulnerável na dependência dos capitais externos e submetido às exigências oriundas em grande medida dos EUA. Não tem um projeto alternativo para enfrentar os desafios das desigualdades sociais e da concentração de renda, não tem perspectiva de desenvolvimento que seja inclusivo, e teima em seguir os ditames de políticas de ajuste formuladas desde os organismos internacionais. O País tem se modernizado mas, ao mesmo tempo, excluído os trabalhadores urbanos e rurais dos frutos do bem estar. É necessário, portanto, repensar criticamente os descaminhos político-econômicos, sociais e ambientais que vêm dramatizando e esgarçando o tecido social da nação. Não basta crescimento econômico, mas um desenvolvimento que seja estruturado no bem estar dos trabalhadores e, neste sentido, o legado de Vargas tem atualidade e ensinamentos ainda hoje válidos."

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